Polónia - Presidência do Conselho da UE 2011. Warsaw Space Situational Awareness Seminar a 29 de Setembro de 2011. Este encontro é patrocinado pela ESA - Agência Espacial Europeia. Newsletter recebida durante a preparação desta página - 20110908_12:03h.

Cranium Pragmaticum

Papum estava um pouco indignado. Perdera-se um tempo precioso para chegar a uma conclusão há muito reconhecida como melhor. Pfff - Circunstância!... Aquilo intoxicava as slot machines!... "É estranho", pensou, "o passado costumava ser sempre um pouco menor, mais débil, porque só existe plenitude no presente." Mas a verdade é que a Vida acaba sempre por preferir o que lhe é mais favorável. Todo esse tempo passado não fora mais do que um compasso de reflexão no vasto Universo onde o tempo de uma estrela não é mais do que o piscar cósmico de Deus. Os ambientalistas radicais revoltam-se contra a Ciência? Não são Ambientalistas - não podem ser radicais. A Ciência não é, nem deve ser suspeita de ser, um papão ameaçador oculto nos bastidores dos governos corruptos. Porque essa é uma falsa ciência. A Ciência liberta-nos, de facto - só nesse pressuposto é que a sua existência faz sentido.

"Não podemos correr o rico de entregar o nosso conhecimento em geral e a nossa astronavegação em particular nas mãos de civilizações alienígenas predadoras", avisara Fermanl logo na sua primeira comunicação mundial. E agora aquele corino na Nature "...small (alien) risks should nonetheless be taken seriously. When technologies offer radical new possibilities, the people who have the privilege of playing with them also have a duty to consult widely about what those possibilities might mean. The SETI community should assess them in a discussion open and transparent enough for outsiders to listen and, if so, be moved to actively participate." Papum suspirou. Feitas as contas, era mais fácil dizê-lo do que praticá-lo. O carimbo de Top Secret num dossier de investigação é sempre uma arma de dois gumes: tanto defende como trava.

Olhou para o écran. O Capitólio, uma referência anódina à galáxia de Andrómeda e outra quase em rodapé à exploração lunar. "Skating on thin ice", diziam eles - mas estariam mesmo conscientes do que diziam? Quantos tinham de facto acompanhado o projecto espacial americano? E, mesmo de entre esses, quantos o teriam feito, não conscientemente, como cientistas empenhados e participativos, mas apenas como espectadores esporádicos e ingenuamente confiantes?

Papum semicerrou os olhos e fitou durante alguns instantes a combustão indolente da mortalha do cigarro. Arrepiava-se sempre que o seu pensamento tangia a Teoria do Campo Existencial de Fermanl. E se fosse verdade? E se de facto a vivência da plenitude evolutiva fosse o privilégio da consciência de apenas alguns e a esmagadora maioria apenas viajasse através das sombras do erro e da decadência das dimensões periféricas? Seria o próprio Fermanl um dos habitantes dessa estrutura superior? Biombos estranhos cruzavam-se como fantasmas equívocos em torno de Papum, ameaçando transformar de súbito a realidade do pequeno apartamento noutra completamente desconhecida, fantástica e fabulosa... Agora apenas uma fenda quase imperceptível lhe separava as pálpebras, todo o seu ego consciente amuralhado contra o vórtice imenso onde ameaçava soçobrar. E se fosse pior?

O corpo de Papum distendeu-se um pouco, grato por aquelas tréguas da realidade. Bebeu um pouco de vinho. Estava fresco e ele saboreou aquela frugalidade com delícia. Sim, tudo se conjugava para que Fermanl tivesse carradas de razão - e antes saber isso do que saltar para uma realidade ainda pior. Papum não era supersticioso - considerava-se um cientista; mas que diferença é que isso faz quando os fantasmas são apenas as linhas cruzadas do fluxo interdimensional?

                                                                             ***

Fermanl estava furioso. Já não bastava a penúria da luta estrénua pela sobrevivência neste mundo onde a velocidade da luz era a industrial disease da ortodoxia científica e do establishment - agora era o bloqueio ao Allen Telescope Array, um projecto do SETI que, na pior das hipóteses, dotava a humanidade de um radiotelescópio novo e precioso e, na melhor, poderia contribuir para encetarmos o contacto com inteligências alienígenas! 42, diziam eles. Dos 350 discos contemplados no projecto apenas se podiam garantir 42! O ridículo e o absurdo conjugavam-se na explosão das raias da loucura. "42! Vejam só! Aquelas barrigas de stuff fazem 42! E uma linha de montagem de 42 não faz 350! E não caem as paredes de Wall Street!" Agitava as mão e os braços erguidos invectivando a um júri de deuses ocultos o apocalipse exemplar e redutor. A última frase disparou -lhe os olhos faiscantes contra o rosto atónito de Mary, estarrecida com a quebra de simetria à fleugma habitual de Fermanl nunca antes perturbada. Ele estava zangado, era evidente, mas nem mesmo aquando do Conflito Protocolar (o nome com que passou à História a diética - leia-se diatribe ética) no seio das Altas Esferas Protectoras, de súbito inversas em humores com a tremenda periculosidade do projecto dos "miúdos", se mostrara tão emocionalmente perturbado. O azimute de mesquinhez que derivava na contenda era confrangedor - como se o troglodita angustiado à boca da caverna emergisse de súbito em Times Square ou, pior, na Sala Oval. Era aquela a América de Kennedy, da viagem à Lua? Era assim que a Administração Bush se mostrava coerente com o seu discurso sobre o relançamento do programa espacial e interplanetário? Era esta gente amedrontada por um radiotelescópio que prometia uma base lunar (pasme-se) no fim da década?

Fermanl pareceu notar pela primeira vez que estava a fitar Mary. Sorriu-lhe com um ar de "esquece, são malucos" e sentou-se no sofá. Era quase uma hora da manhã e o dia seguinte ia ser tão árduo como fora o anterior. "O horizonte da América está a ficar incoerente", pensou. E era verdade, a expectativa lógica da economia científica americana não batia certo com a imagem transmitida pelo seu interface mediático. Como se a inteligência fulgente dos Estados Unidos tivesse sido aprisionada num corpo decrépito e canhestro, em guerra com o seu próprio cérebro, com a sua própria razão. Seria possível? Estaria o gigante a soçobrar no black-hole que ajudara a revelar? Ou tê-lo-ia o seu acréscimo estrutural projectado para um horizonte apenas visível do interior e traduzido externamente como uma paródia grotesca e distorcida?

- Mary - agora sorria com aquele ar que ela sabia ser prenúncio de bolo - que tal umas férias nos Estados Unidos?

- Sério, Fermanl? Temos e-wallet para isso?

Fernando Manuel Neves Laranjeira
20070317

 

 Allen Telescope Array. SETI siteWikipedia.

 

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